sexta-feira, 13 de agosto de 2010

PUNGAR É SEXUALIDADE - Eliana Franco Pereira.

"Chega pra roda, mulher
Chega pra roda, mulher
Tambô que tá te chamando,
Chega pra roda mulher."
Geralmente esse canto inicia uma roda de tambor, convidando as coreiras a dançarem e também a marcar a punga com a beleza da sensualidade que
cada uma tem na cadência do corpo e rodopiando as suas saias.
Em se tratando de sexualidade, frisamos a presença da mulher, cuja participação direta se dá pela utilização da punga, ou seja, batida de ventre com
ventre e a evolução da dança, através de mesuras, requebro dos quadris, arremedo com as pernas, acompanhando o ritmo e a marcação com os pés, os braços,
os ombros e segurando a ponta da saia, de maneira graciosa, faceira e sensual.
Convém ressaltar, o estabelecimento de relações de dependência do pungar ao toque no tambor grande com a punga da coreira. Aí é que se percebe a
sensibilidade maior dessa interdedpendência e, pensando nessa configuração, identifica-se a manifestação da libido masculina e feminina, entre coreira e
coreiro. Em alguns casos observamos de forma particular, a excitação dependendo do dançar o qual é puxado pelo toque no tambor grande, dando origem a
uma tensão sexual, que chega a um nível de sustentação, podendo ser continuada ou não, de acordo com a intensidade do estímulo. Para os sexólogos o
resultado é a resposta sexual, ou seja, a liberação total da libido, através do coito.
Ouvindo-se conversas de coreiras e coreiros separados entre si, presenciamos algumas expressões e comportamentos no caráter sexual usados
comumente durante a brincadeira, as quais citamos: convites para o ato sexual, para namoro sem compromisso, para uma voltinha rápida na Casa de Tereza
ou no Capinzal (lugares existentes em bairros, que servem aos encontros amorosos clandestinos ou não, conhecidos pelos moradores da área). O sexólogo
Ussel nos diz em seu estudo, como a construção de uma série de tabus em torno do corpo, de partes do corpo, do sexo, determinou uma verdadeira
sexualização dos comportamentos e hábitos rotineiros antes tidos como neutros. Da mesma forma isso ocorre com o vocabulário. "No século XVIII, a área
periférica à sexualidade foi cada vez mais sexualizada semanticamente através do uso simbólico ou análogo de certas expressões." (Ussel, 1980: 92).
Contradizemos um pouco o pensamento de Ussel, quando ele fala da analogia das expressões do corpo, no que se refere à punga das coreiras, composta
de movimentos cadenciados, voluptuosos e sensuais, não importando qual seja o gênero ou tipo à qual está sendo tocada no tambor grande, devido a grande
diversificação das mesmas, isto é, de acordo com o sotaque que é puxado ao meião, ritmado pelo crivador e marcado pelo tambor grande.
Enfatizamos a correspondência biunívoca entre coreiro e coreira pela punga e fazemos questão de exemplificar um fato observado em uma festa de
tambor para São Benedito na sede do Boi de Cajapió, em agosto de 1991. Quando foi cantado o Penerô, a coreira pungava primeiro com a cabeça, depois
rolava o corpo uma vez, pungava com os ombros requebrando-os, rolava mais uma vez, pungava com os quadris requebrando-os, rolava mais uma vez e
começava a requebrar com o corpo todo até em baixo, desafiando o coreiro. O mesmo agachou com o tambor e ela ficou peneirando os ombros e os quadris e
quanto mais intensificava o requebro, mais o coreiro marcava forte a punga, dobrando o batido e as vezes socando com o cotovêlo. Depois subiram juntos com
a testa unida fitando os olhos, o coreiro a subiu no tambor grande, escanchando-a e a mesma continuou requebrando, abrindo os braços sorrindo sempre.
Enquanto isso a dança das coreiras na roda, era peneirando até em baixo com uma forte cadência de quadris e rodopios com o corpo. Sentia-se uma vibração
de energia em todo o grupo, entre tocadores e cantadores que aumentavam cada vez mais a ritmia da marcação, dando maior volume ao canto e à dança das
coreiras. Depois a coreira pulou do tambor ajudada pelo coreiro e encerrou sua dança tirando outra para dançar. Assim, o ápice da sensibilidade sexual baixou.
Os tabus, os dogmas prescritos e regras que a sociedade machista constitui em torno da sexualidade do negro, reforçam os preconceitos e discriminações
que existem. Aqueles que podem surgir na vida cotidiana dos coreiros e coreiras se fazem presentes e são aceitos com caráter de normalidade, vindo a ser
desbloqueados durante o frenesi da punga no toque, na dança e no canto. E o pensamento de sexo como algo profundamente perigoso, só poderá ocorrer,
quando a manifestação se dá de forma abusiva, agressiva e vá de encontro aos padrões "da moral e dos bons costumes".
A valorização da concepção de sexualidade no grupo se faz pela separação do desejo e atração sexual, de antagonismo entre fantasia e ordem social e
por último, pela determinação do caráter. Baseado nessa relaçào instituída, podemos refinar o nosso olhar clínico para a prática do comportamento sexual dos
homens em relação às mulheres na resposta da punga, onde não há presença de palavras e sim de expressões libidinosas sutis ou escancaradas.
Bibliografia consultada:
USSEL, J. van. Repressão Sexual. Rio de Janeiro, Campus, 1980.
SILVA FILHO, João Ferreira da. Psiquiatria Comunitária. A sexualidade e o poder disciplinar. REVISTA SERVIÇO SOCIAL E SOCIEDADE. (16: 81), 1984.

Texto extraído do Boletim nº 03 da Comissão Maranhense de Folclore. (www.cmfolclore.ufma.br)

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